quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
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Lula não afirmou que implantará restrições religiosas no Brasil caso reeleito

Trechos de uma entrevista concedida pelo petista ao Jornal da Record foram recortados e manipulados

 

Esta checagem foi produzida por jornalistas do Projeto Comprova.

CBN Cuiabá integra a iniciativa de combate à desinformação

Vídeo que circula no Helo passa uma ideia enganosa de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso eleito em outubro deste ano, irá implantar restrições religiosas no Brasil, a exemplo do que foi adotado pelo governo da China. Trechos de uma entrevista concedida pelo petista ao Jornal da Record foram recortados e manipulados. Na entrevista original, ele não faz menção a questões religiosas.

Conteúdo investigado: Vídeo com trechos de uma reportagem exibida no Jornal da Record que trata da repressão religiosa imposta pelo governo na China seguida por declarações do ex-presidente Lula classificando o país como “um exemplo para o mundo”. O conteúdo é sobreposto com manchetes de noticiários brasileiros em que o petista afirma ser necessário regulamentar a mídia no Brasil. O vídeo encerra com a frase dita por Lula: “Espero que outros países aprendam a lição com a China. Tenho muita fé, muita esperança que vamos conseguir fazer isso a partir de 2022”.

Onde foi publicado: Helo

Conclusão do Comprova: É enganoso um vídeo que circula no aplicativo Helo e que apresenta trechos de uma reportagem do Jornal da Record sobre restrições religiosas impostas na China, acompanhado de recortes de uma entrevista concedida pelo ex-presidente Lula ao portal de notícias chinês Guancha.

A reportagem exibida pela televisão brasileira foi ao ar em 4 março de 2022, enquanto que a entrevista do petista ocorreu em junho de 2021. Ao contrário do que sugere o conteúdo alvo desta checagem, em nenhum momento o ex-presidente faz menção a questões religiosas daquele país, tampouco afirma que poderá implantar restrições autoritárias inspiradas na China, caso eleito presidente do Brasil no pleito de outubro deste ano.

A conversa entre Lula e o entrevistador Eric Li durou pouco mais de 51 minutos. Ao longo da entrevista, o ex-presidente fez elogios à China sobre diversos temas, como o combate à pandemia da covid-19, investimentos na educação e a evolução econômica do país.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O vídeo publicado no aplicativo Helo teve mais de 7,3 mil compartilhamentos, 2,9 mil curtidas e mais de 400 comentários até o dia 2 de junho.

O que diz o autor da publicação: Uma mensagem foi encaminhada para a pessoa responsável pela publicação no próprio Helo, mas não houve resposta até a conclusão desta checagem. A busca pelo nome da autora em outras redes sociais não retornou resultados.

Como verificamos: O Comprova iniciou a checagem procurando na internet a entrevista concedida pelo ex-presidente Lula ao portal chinês de notícias Guancha, assim como a reportagem original exibida no Jornal da Record, em março de 2022, que trata da proibição do compartilhamento de conteúdos religiosos na internet sem a permissão do governo chinês.

Utilizando as palavras-chave “Lula” e “China”, a busca retornou resultados tanto de outras verificações sobre o tema (Estadão Verifica, AFP Checamos e Boatos.org), quanto de reportagens jornalísticas relatando as falas do ex-presidente sobre a China (Folha de S.Paulo e Poder360).

Também procuramos pela dona do perfil no Helo que compartilhou o conteúdo, mas não houve resposta.

A entrevista

Em junho de 2021, o ex-presidente Lula concedeu uma entrevista ao portal chinês Guancha, na qual fez elogios à China sobre diversos temas, como o combate à pandemia do coronavírus, investimentos na educação e a evolução econômica do país.

As declarações do petista, na época, foram noticiadas pela imprensa brasileira (Folha de S.Paulo e Poder360) e estão disponíveis, na íntegra, neste link.

A conversa entre Lula e o entrevistador Eric Li durou pouco mais de 51 minutos e também foi compartilhada no canal do YouTube do ex-presidente.

Em nenhum momento Lula comenta sobre as restrições impostas pela China a respeito do compartilhamento de conteúdos religiosos na internet, assim como também não diz que pretende implantar esse controle no Brasil caso seja eleito no pleito de 2022.

A reportagem sobre o tema que aparece no vídeo viral foi exibida no Jornal da Record em 4 de março deste ano, ou seja, nove meses após a entrevista de Lula ao Guancha.

Trechos foram recortados e retirados do contexto original

No vídeo que circula nas redes sociais, Lula elogia a China por ser um país “que tem o Estado forte, que toma decisões e que as pessoas cumprem”, conduta que, segundo ele, não ocorre no Brasil. Logo em seguida, o ex-presidente enaltece a China pelo combate à pandemia de covid-19: “A China só conseguiu combater o coronavírus com a rapidez que combateu porque tem um partido forte, um Estado forte. Porque tem pulso, tem voz de comando, nós não temos isso aqui no Brasil.”

Lula também diz que “pensava muito grande” na relação com a China e que acreditava que os dois países deveriam ter construído uma parceria estratégica. O que o conteúdo investigado deixa de exibir, porém, é que nesse momento o ex-presidente falava também sobre a Índia, África do Sul e Rússia, países emergentes que formam o Brics.

“Eu sonhava muito com os Brics. Eu pensava muito grande na minha relação com a China. Na minha relação com a Índia, com a África do Sul e com a Rússia. Eu achava que a gente deveria ter construído uma parceria estratégica para que a gente, sendo metade da humanidade, não ficasse dependendo da política do dólar. A gente não precisasse do dólar para a gente fazer nosso comércio exterior”, diz Lula, na entrevista original entre os minutos 00:19:08 e 00:19:44.

O próximo segmento da fala do ex-presidente que está fora de contexto é a seguinte frase: “A China é um exemplo para o mundo. E eu espero que outros países aprendam a lição com a China. Tenho muita fé, muita esperança, que vamos conseguir fazer isso, a partir de 2022.” Esta frase foi editada de modo a dar a entender que Lula desejaria implantar no Brasil o sistema autoritário chinês.

Neste trecho final, na verdade, Lula enaltece o desenvolvimento econômico da China nos últimos 20 anos. “Eu acho que a China é um exemplo de desenvolvimento para o mundo. E eu espero que outros países aprendam a lição com a China para que a gente possa ser mais rico, ser mais forte, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano.”

Por fim, quando afirma que tem “muita fé, muita esperança, que vamos conseguir fazer isso, a partir de 2022”, Lula se refere à independência dos países do sul global, que são nações em desenvolvimento, em relação à política cambial influenciada pelo dólar.

“Eu trabalhei muito com o Hu Jintao [ex-presidente da China] a necessidade de uma relação Sul-Sul. Não ficar dependendo do Norte como nós estamos dependendo. Lamentavelmente, a gente não conseguiu chegar lá, mas eu tenho muita fé, muita esperança que nós vamos conseguir fazer isso a partir de 2022.”

Esse trecho final pode ser conferido entre os minutos 00:20:55 e 00:22:06 da entrevista original.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O conteúdo do vídeo aqui verificado cita o pré-candidato à presidência Lula. Informações falsas que envolvem atores políticos trazem prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras. No vídeo postado no Helo, por exemplo, há comentários afirmando que “Lula é satanista”, e que o ex-presidente “quer calar o povo de Deus”.

Outras checagens sobre o tema: A mesma entrevista presente no vídeo verificado pelo Comprova já foi deturpada e utilizada em peças de desinformação semelhantes que foram alvo de checagens do Estadão Verifica, da AFP Checamos e do site Boatos.org.

Em verificações anteriores envolvendo o nome do ex-presidente, o Comprova mostrou que é falso que Lula tenha roubado 350 mil toneladas de ouro de Serra Pelada e dado dinheiro para Venezuela; que vídeo mostra imagens de imóvel de luxo no Ceará como sendo residência alugada por Lula em São Paulo e que declarações “vazadas” de Lula sobre crise econômica são públicas e foram feitas em 2016.

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