PAULO ROBERTO NETO – DO UOL
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou hoje (27) uma resolução eleitoral que veta o uso de deepfakes e cria restrições ao uso de inteligência artificial durante as campanhas eleitorais deste ano.
O descumprimento da regra poderá levar à cassação do candidato.
O que aconteceu
Esta é a primeira vez que o TSE regula o uso de inteligência artificial nas resoluções eleitorais, as regras do pleito. O tema tem preocupado ministros da Corte desde o ano passado, que viam como um sinal amarelo a ausência de uma regulamentação do tema.
A própria Cármen Lúcia, autora da proposta, se reuniu com especialistas no tema para discutir a minuta, e levou as sugestões para o debate com os demais ministros do TSE, especialmente Alexandre de Moraes.
A resolução aprovada fixa a vedação absoluta do uso de deepfakes — vídeos e áudios modificados digitalmente para simular a fala ou gesto de pessoas. A proibição inclui conteúdos em que há autorização para uso de imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia.
Quem descumprir a regra poderá ser punido com a cassação do registro de candidatura e/ou a perda do mandato, caso seja eleito.
No trecho que dispõe sobre uso de inteligência artificial, a ministra manteve a exigência de um rótulo pelas campanhas eleitorais de conteúdo multimídia que tenha utilizado a inteligência artificial.
Uma novidade é a restrição ao uso de chatbots (robôs) e avatares por campanhas eleitorais. De acordo com a resolução proposta por Cármen, as campanhas não podem usar esses instrumentos para intermediar a comunicação da campanha — ou seja, não podem usar um robô para simular a conversa de um eleitor com o candidato ou outra pessoa.
O texto foi aprovado pelos ministros do TSE. O presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que, de todas as resoluções discutidas neste ano, a regulação do uso de inteligência artificial era a mais importante. Ele se referiu ao texto como uma das “normatizações mais avançadas do mundo” para combater o desvirtuamento das propagandas eleitorais.
Moraes citou as eleições da Argentina, em que deepfakes foram utilizados durante o pleito para enganar o eleitor. Uma das peças simulou, por exemplo, o então candidato Sérgio Massa usando cocaína.
“Nessas eleições, lamentavelmente, Vossa Excelência terá que combater as fake news e as milícias digitais anabolizadas pela inteligência artificial”, disse Moraes a Cármen. A ministra assumirá a presidência da Corte em agosto, e comandará o tribunal durante as eleições.
[A resolução] vai dar os instrumentos necessários à Justiça Eleitoral para combater as famosas milícias digitais que vem se utilizando e vão se utilizar não só de fake news, mas também de inteligência artificial, e garantir ao eleitor que chegue a ele todo o tipo de informação, mas não essa informação deturpada, criminosa, que pretende solapar a escolha livre do eleitor. Alexandre de Moraes, presidente do TSE
Na mesma resolução, o TSE aprovou uma série de obrigações que devem ser cumpridas pelas redes sociais. São elas:
- Adoção e divulgação de medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral;
- Veiculação de conteúdo informativo que desminta fato inverídico ou descontextualizado;
- Manutenção de um repositório de anúncios para acompanhamento, em tempo real, dos conteúdos, valores, responsáveis pelo pagamento e audiência de publicidade contratadas nas plataformas pelas campanhas.
Debates sobre resoluções das eleições
A proposta foi levada por Cármen na sessão de hoje (27), que marca o primeiro dia dos debates sobre as resoluções das eleições. Por determinação legal, o TSE tem até 5 de março para fixar as regras da disputa.
Duas medidas já aprovadas incluem o transporte público gratuito no dia das eleições e a proibição do porte de armas no período de 48 horas antes até 24 horas depois do dia da votação. Ambas as regras foram incluídas e testadas pela primeira vez em 2022 e consideradas um sucesso pelo TSE.
Ao abrir as discussões, Cármen afirmou que, ao elaborar as resoluções, buscou garantir a soberania popular contra “influência do poder econômico em todas as formas, velhas e atuais”.
Uma vez que foi introduzido nos últimos tempos o coronelismo digital, agora o cabresto é virtual, não é mais material. Nós temos nos celulares verdadeiras marmitas digitais que poderiam enevoar a liberdade do eleitor e da eleitoraCármen Lúcia, vice-presidente do TSE
O termo “marmita” usado pela ministra é referência ao “voto marmita”, expressão usada nas eleições com voto impresso em que as cédulas eram distribuídas e o eleitor “levava para casa” o próprio voto. No caso, o celular seria uma “marmita digital” no caso de o eleitor registrar uma foto do voto e levá-la consigo.
Fraude nas cotas de gênero e racial e lives eleitorais
O TSE aprovou também resoluções que consolidam a jurisprudência do tribunal em casos de infrações eleitorais, como fraudes na cota de gênero, o uso abusivo de mensagens durante as eleições e o assédio eleitoral – situação em que o eleitor é coagido ou constrangido pelo empregador.
Uma novidade é a proibição do uso de residência oficial para a realização de lives eleitorais. A regra passou a existir depois de a Corte julgar e absolver Bolsonaro por usar a estrutura do Alvorada para fazer transmissões de campanha.
Precedente. Na ocasião, os ministros não viram que as transmissões resultaram em um abuso de poder político do então presidente, mas consideraram necessário elaborar uma tese para servir de precedente em casos que possam surgir nas eleições deste ano.
Pesquisas e fundo especial
Em relação às pesquisas eleitorais, o TSE aprovou uma resolução que exige dos institutos um relatório completo com os resultados das pesquisas feitas ao longo da campanha. O documento deve ser divulgado depois do pleito e servirá para aumentar a transparência da metodologia adotada.
Institutos que informem que as pesquisas foram bancadas com recursos próprios, ou seja, não receberam recursos para fazer o levantamento, deverão apresentar o Demonstrativo do Resultado do Exercício do ano anterior.
Já a resolução sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha dispõe que os partidos deverão que divulgar, em suas páginas na internet, o valor total do fundo e os critérios usados para distribuição da verba a candidatos e candidatas.