sábado, 23 de novembro de 2024
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Falso advogado abriu banco em MT para enganar fazendeiros e sumiu com milhões

Ruy Rodrigues Santos Filho responde a acusações de estelionato e já passou por algumas prisões preventivas

NATÁLIA PORTINARI – DO UOL

Nome até então desconhecido no mercado dedicado a financiar operações do agronegócio, o Banco Agro abriu unidades em Fortaleza (CE), Sorriso (MT) e Luís Eduardo Magalhães (BA) nos últimos dois anos, prometendo empréstimos vantajosos a produtores rurais.

Eram agências reformadas, decoradas com a cor verde característica da empresa e que contavam com equipes de funcionários. As inaugurações, com a presença de autoridades, foram registradas na imprensa dessas cidades.

No site da empresa, há uma lista extensa de produtos que só um banco pode vender: investimentos, empréstimos e financiamentos, compra de sementes, financiamento de veículos e de máquinas, imóveis, energia fotovoltaica, consórcios, seguros, operações de câmbio, entre outros.

“O Banco Agro foi criado para atender o mercado do agronegócio com um pacote de serviços segmentados, oferecendo as melhores taxas do mercado. Com linhas de financiamento e refinanciamento, consórcio de veículos, máquinas agrícolas, placas solares, pretendendo chegar a três milhões de correntistas em apenas um ano”, anuncia a página inicial.

O Banco Agro, no entanto, não existe.

Pelo menos, não como instituição bancária. A empresa não tem autorização do Banco Central para atuar em serviços financeiros, e não demorou para que seus sócios respondessem na Justiça pela acusação de darem um golpe em clientes e investidores.

O presidente da empresa é Ruy Rodrigues Santos Filho. Ele responde a acusações de estelionato, já passou por algumas prisões preventivas e, antes do Banco Agro, participou de outros negócios com promessas milagrosas que, depois, não pararam de pé.

Apenas em processos públicos recentes identificados pelo UOL, o prejuízo que teria sido provocado por Ruy Rodrigues àqueles que se identificam como suas vítimas chega a R$ 5,8 milhões. Há outras investigações, sigilosas ou mais antigas, que tornam essa cifra uma estimativa modesta.

Em 27 de março de 2023, dois empresários de Sorriso — município com a maior produção de soja do país — que investiram na abertura de uma agência do “banco” entraram com um processo pedindo R$ 1 milhão de volta.

Eles relatam, na ação, que os clientes da cidade perceberam que tinham aplicado o dinheiro em contas falsas. Tinham feito transferências para a conta do banco e, depois, usando o login e senha no site, não conseguiam mais sacar os valores que seriam seus.

Os dois investidores — que pediram para não serem identificados — descobriram que os R$ 500 mil cada um que, segundo o Banco Agro, teriam aplicado em um fundo de investimentos, não tinham ido parar em fundo algum.

Em abril de 2024, um produtor rural entrou com uma ação pedindo a devolução de R$ 401 mil que acreditou ter investido no Banco Agro.

“Esse investimento (…) resultava de toda carteira de poupança construída pelo autor em torno de uma vida trabalhando na compra e revenda de animais de fazenda (gado, galinha, frango)”, escreveu seu advogado na ação.

Em seu site, a empresa informa que a “Agro Pagamentos S/A realiza suas operações sob licença do Banco nº. 450 – FITBANK”. Baseado em São Paulo (SP), o Fitbank é uma instituição de pagamento, sem autorização para fornecer empréstimos ou conta corrente.

Procurada, a empresa disse que rescindiu o contrato com o Banco Agro em maio de 2023 e que, após ser alertada pelo UOL, pediu a retirada do nome de sua instituição do site.

Sóstenes Marchezine, que consta na Receita Federal como conselheiro de administração do Banco Agro, nega as acusações de estelionato e de lesão aos clientes.

“Não entra dinheiro (na empresa). Na verdade, sai. Quem poderia sofrer golpe seria o próprio banco, com os potenciais empréstimos pendentes ou sem serem pagos suas parcelas mês a mês. Mas o produtor receberia, como receberam, financiamentos e pagariam suas parcelas.”

Advogado sem OAB

Nascido em Feira de Santana (BA), Ruy Rodrigues é acusado de estelionato desde pelo menos 2004, quando foi intimado a depor sob suspeita de “aplicar golpes na praça usando documento falso” se passando por advogado, conforme registrou um delegado da cidade.

Em 2009, já em Salvador, tentou fugir pela janela de um apartamento no 10º andar no bairro do Rio Vermelho antes de ser detido pela polícia. Foi preso acusado de enganar pessoas fingindo ser advogado com a carteira da OAB do pai, Ruy Rodrigues Santos.

Com ele, havia documentos de três carros — uma Hilux, uma Tucson e uma Veracruz — no nome de possíveis vítimas, além de dois computadores, segundo reportagem do jornal baiano “A Tarde”. Ficou em prisão preventiva por dez dias até pagar fiança. Livre para responder em liberdade, fez as malas e escolheu Brasília como sua próxima moradia.

Na capital federal, abriu um escritório e passou a se apresentar como solução para quem estivesse enrolado com financiamentos de imóveis e carros, segundo o que é descrito em processos judiciais. Assim como na Bahia, apresentava-se como advogado sem ter registro da OAB.

Aos clientes, pedia algumas dezenas de milhares de reais e prometia quitar suas dívidas, mas, de acordo com aqueles que moveram ações, desaparecia com o dinheiro depois.

“Você chega lá e é um escritório faraônico, luxuosíssimo. O cara só andava com carros importados de última geração. Isso era 2009. Cheio de ouro, Rolex no braço. Como você vai imaginar que o cara é um pilantra?”, diz Ana Moura, que fez BO contra ele após, segundo ela, uma funcionária de Ruy desaparecer com um carro em seu nome.

O escritório mudou de endereço algumas vezes. Narryma Jatobá, sua esposa, passou a atuar como advogada ao seu lado — ela, sim, com carteira da OAB, que continua ativa.

Em seu período em Brasília, Ruy Rodrigues enfrentou mandados de prisão e seguiu pagando fianças para sair, usou dois CPFs falsos, foi acusado pelo colégio do filho de dar calote na mensalidade de todo o primeiro ano do ensino médio e processado por comprar três carros Porsche e dois Rolex e depois não pagar, entre outros problemas.

Embora ele responda a processos criminais pelo menos desde 2012, alguns prescreveram (perderam o prazo para punição) enquanto a Justiça tentava localizá-lo sem sucesso.

Sempre com sócios ao seu lado, Ruy Rodrigues já se apresentou como empresário da Investe Agro, Agro Nutri Brasil, Grupo Boi Forte, Burly Nutrição Animal, empresas com diferentes CNPJs, algumas já inativas, além de advogado da Ruy Associados (que não existe) e da Jatobá Mendes Santos Advogados Associados (de sua esposa).

Em abril de 2022, Ruy Rodrigues fez um acordo de não persecução penal com o Ministério Público — uma negociação para não ser punido criminalmente, em troca de alguma contrapartida — confessando ter praticado ilegalmente a profissão de advogado.

No mesmo período, começou a procurar investidores para um novo negócio: o Banco Agro, um suposto banco que disponibilizaria conta corrente, empréstimos e até seguros.

Levou o governo no bico

O falso banqueiro também levou no bico autoridades do governo federal. O Banco Agro chegou a se tornar “parceiro” do Rota da Fruticultura, um programa financiado pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.

Nos eventos do programa, cujo objetivo é ajudar pequenos produtores, cartazes traziam a marca do banco ao lado dos logos da Embrapa, Codevasf e outras organizações.

Em junho de 2023, em Arinos (MG), o coordenador da Rota da Fruticultura e servidor de carreira da Codevasf, Luiz Curado, contou em um desses eventos como levou uma produtora de mirtilo para tomar um empréstimo no banco.

“Nós fomos lá e ajudamos essa senhora. Ela investiu R$ 80 mil. Em 2022, ela faturou R$ 160 mil. Em menos de um ano. Plantou, investiu 90 (sic) e colheu 160. Levei ela no Banco Agro, falamos com o gerente”, disse Luiz Antônio de Passos Curado, servidor da Codevasf.

Curado diz ter sido ele quem apresentou o Banco Agro a Marcelo Moreira, presidente da Codevasf, pensando, segundo ele, que a empresa ajudaria pequenos produtores.

Em 4 de novembro de 2022, Moreira visitou o Banco Agro em Brasília. “Fiquei extremamente satisfeito com a proposta do banco de oferecer crédito rápido e eficiente a quem realmente precisa”, disse o presidente da Codevasf, segundo o blog do “banco”.

Pouco tempo depois, em 13 de dezembro, houve uma agenda de Marcelo Moreira com Ruy Rodrigues na própria Codevasf, da qual Curado participou.

“Nessa reunião, nós apresentamos o plano para pequenos produtores da Codevasf e eles (do Banco Agro) prometeram uma taxa de juros muito acima do que o Banco do Nordeste já pratica para a Codevasf, então aquilo não prosperou”, diz Luiz Curado ao UOL.

Segundo ele, a Codevasf não tem parceria formal com nenhum banco, mas costuma recomendar aos produtores empréstimos que podem ser vantajosos para eles (ao UOL, a companhia nega que tenha relação com bancos privados).

“A gente recebeu pelo email da Rota algumas denúncias. Acusações contra ele (Ruy). Mas não dei importância, porque não compete a mim julgar isso. Se tivesse prosperado com os produtores, ótimo para os produtores. Eu teria indicado independentemente de qualquer denúncia contra ele. Se não, você não opera com banco nenhum, né?”

Segundo Curado, “três ou quatro” produtores da Rota da Fruticultura tentaram conseguir empréstimos, mas não tiveram sucesso. Ele nega que tenha levado a produtora de mirtilo ao banco, como contou no evento.

O ex-secretário de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal Cândido Teles é outra autoridade que se aproximou do Banco Agro. Em 3 de novembro de 2022, quando ainda ocupava o cargo, visitou a “agência” no Distrito Federal e gravou um vídeo para o Instagram da empresa.

“Eu parabenizo a iniciativa e tenho certeza que esse banco já deu certo”, elogiou. A secretaria também faz parte dos parceiros da Rota da Fruticultura.

O blog do Banco Agro não é atualizado desde novembro de 2023. Em janeiro deste ano, Ruy Rodrigues foi preso preventivamente, novamente investigado por estelionato. Nesse caso, ele é acusado de ter se passado por advogado, provocando prejuízo de R$ 250 mil a uma pessoa para quem prometeu quitar o financiamento de um imóvel.

No início de fevereiro, Rodrigues foi solto após pagar fiança. Forneceu à Justiça um endereço residencial em uma casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, onde ficava também o escritório do Jatobá, Mendes & Santos.

A reportagem visitou o local, tocou o interfone e falou com uma funcionária, chamada Raquel, que disse que Ruy Rodrigues e sua esposa não moravam lá. A reportagem perguntou se aquele local ainda funcionava como um escritório. “Consultoria”, respondeu Raquel.

Em processos mais recentes, sua esposa, Narryma Jatobá, informou um novo endereço à Justiça, também no Lago Sul. A reportagem foi visitar o local e descobriu que, há dois anos, lá funciona o escritório de advocacia de outra pessoa.

“O camarada aí é um picareta de primeira, viu?”, disse Marcones Carvalho, administrador do escritório, que atendeu o interfone. “Esse Ruy está sempre informando esse endereço. Sempre vem oficial de Justiça aqui. Como vem sempre pessoas procurando ele, procurei o jardineiro, o piscineiro, e me falaram que foi um morador que alugava essa casa. Mas ninguém sabe onde mora mais.”

O que dizem os órgãos públicos

Segundo a Codevasf, as reuniões com o presidente ocorreram porque “a empresa buscava conhecer o trabalho desenvolvido pela Codevasf e compartilhar informações sobre sua própria atuação”. “As informações apresentadas na demanda do UOL sobre a empresa e seus representantes não eram conhecidas. Não havia perspectiva de parceria.”

“Nenhum patrocínio ao projeto por parte da empresa mencionada é de conhecimento da Codevasf. A Companhia não tem relação com a empresa”, acrescenta a empresa. “A Codevasf mantém diálogo institucional com bancos públicos, com foco no acesso de produtores a fundos constitucionais de financiamento. Não há parcerias com bancos privados.”

“A atuação de profissionais da Codevasf deve ser motivada exclusivamente pelo interesse público. Medidas administrativas são adotadas em casos de violação ao Código de Conduta Ética e Integridade da Companhia ou a qualquer outra norma que regule as operações da Empresa.”

A Rota da Fruticultura afirmou que “não houve qualquer tipo de transação financeira” com o Banco Agro. “Ao tomar conhecimento dos rumores e indícios por meio da imprensa, encerrou-se todo tipo de diálogo junto ao banco, não sendo realizado nada de concreto junto ao Banco Agro”, disse, em nota, a assessoria de comunicação do projeto.

“A Rota não recebeu e não movimentou nenhuma quantia, além de não assinar nenhum contrato com o Banco Agro. A ideia seria apenas abrir portas para negociações diretas entre produtor e sistema bancário, para impulsionar o crescimento do projeto.”

O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional e a Embrapa disseram que o órgão responsável pela execução do projeto da Rota da Fruticultura é a Codevasf.

A Secretaria de Agricultura do Distrito Federal afirmou que não houve nenhuma parceria do governo distrital com o Banco Agro.

“O contato da empresa com a Secretaria ocorreu no evento AgroBrasília, onde o Banco se apresentou como uma alternativa à cadeia bancária de financiamentos e cabe ressaltar as reduzidas opções de financiamento que o produtor rural possui, dada a característica fundiária de suas terras”, disse a secretaria.

“À época, o secretário (que não faz mais parte do quadro da Secretaria) parabenizou a empresa – como faz a tantas outras iniciativas – pelas propostas apresentadas no evento, e pelas perspectivas, até então, anunciadas. Entretanto, apesar desse contato inicial, não houve qualquer tipo de parceria com a instituição.”

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